Processos Administrativos Segurança Privada
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Processos Administrativos – Um dos clamores do mercado da segurança privada é a elaboração de uma legislação adequada para o setor, posicionada como lei no ordenamento jurídico e definindo regras mais contundentes e claras para a regulação, autorização e fiscalização do setor, em especial no tocante a tramitação dos processos administrativos.

Segurança Privada e Segurança Pública

A segurança privada no Brasil configura-se como uma atividade suplementar à segurança pública. O artigo 6º da Constituição Federal traz em seu caput a segurança como um dos direitos sociais inerentes a todos os cidadãos, e o Capítulo III da CF/88 foi inteiramente dedicado á Segurança Pública.

Inserido no Capítulo III da Carta Magna supramencionado, o artigo 144 traz na redação de seu caput que a segurança pública é dever do Estado e direito e responsabilidade de todos, ou seja, compete ao Estado o exercício da Segurança Pública, contudo, cabe a todos a responsabilidade da guarda e promoção deste bem jurídico.

Há de se destacar que é suplementar e não complementar a atividade de segurança privada no espectro da segurança pública, pois há clara distinção entre os dois serviços, sendo o segundo prerrogativa indelegável da atividade do Estatal, atuando a segurança privada dentro apenas dos seguintes mercados: (i) vigilância patrimonial; (ii) transporte de valores; (iii) escolta armada; (iv) segurança pessoal; e (v) curso de formação. Todas as atividades englobadas no rol do “Poder de Polícia[1]” são exclusivas do Estado.

Neste viés surge a atividade de segurança privada, exercendo uma parcela suplementar da segurança pública como responsabilidade de todos, amparada pela Constituição Federal. O mercado da segurança privada é regulado, autorizado e fiscalizado pela Polícia Federal[2], e tem como sua principal legislação a Portaria nº 3.233/2012-DG/DPF, de 10 de dezembro de 2012.

Processos Administrativos no Segmento de Segurança Privada

Um dos clamores do mercado da segurança privada é a elaboração de uma legislação adequada para o setor, posicionada como lei no ordenamento jurídico e definindo regras mais contundentes e claras para a regulação, autorização e fiscalização do setor, em especial no tocante a tramitação dos processos administrativos. Há atualmente no Senado Federal um Projeto de Lei que visa instituir o “Estatuto da Segurança Privada[3]”.

Cumpre breve destaque para a figura suis generis que a Polícia Federal assumiu dentro do mercado da segurança privada, atuando como ente regulador, como ente fiscalizador e ente julgador. O controle e fiscalização da segurança privada[4]são de responsabilidade da Comissão Consultiva para Assuntos de Segurança Privada – CAASP (órgão consultivo e deliberativo), da Coordenação-Geral de Controle de Segurança Privada – CGCSP (órgão vinculado á Diretoria Executiva da PF) e das Delegacias de Controle de Segurança Privada – DELESP (unidades regionais).

Esta figura assumida pela Polícia Federal faz com que os processos administrativos advindos do exercício da atividade de segurança privada pelas empresas especializadas sejam fundamentados por legislação exarada pela PF, tramitem dentro de um dos sistemas da PF e sejam, em todas as instâncias administrativas, julgados por entes ligados à PF.

O presente artigo tem como foco o debate acerca da fundamentação jurídica das decisões exaradas pela Administração Pública no julgamento de processos administrativos decorrentes do exercício da atividade de segurança privada. A legislação federal que regulamenta os processos administrativos é a Lei nº 9.784 de 1999, figurando nos processos administrativos da segurança privada como legislação geral, e a Portaria nº 3.233/2012-DG/DPF como legislação específica.

Os processos administrativos fruto da fiscalização da PF no mercado da segurança privada consubstanciam-se em “Autos de Constatação de Infração e Notificação” – ACIN’s[5]. Os ACIN’s iniciam o processo administrativo, e após a ciência do autuado sobre sua suposta infração lhe é concedido o prazo de 10 (dez) dias para apresentação de defesa.

Realizada a regular notificação e apresentada a defesa tempestiva pelo Autuado, é elaborado um parecer instrutivo da Delegacia de Controle de Segurança Privada – DELESP origem do ACIN e um parecer conclusivo da Coordenação-Geral de Controle de Segurança Privada – CGCSP. Munido dos pareceres supramencionados o presidente da Comissão Consultiva para Assuntos de Segurança Privada – CCASP proferirá decisão da 1ª instância administrativa.

Conforme se extrai da tramitação do ACIN definida na Portaria nº 3.233/2012-DG/DPF, a decisão sobre o processo administrativo na 1ª instância é de responsabilidade do presidente da CCASP. E, conforme determina o artigo 3º do mesmo diploma legal, o cargo de presidente da CCASP é do Diretor Executivo da PF.

Da decisão proferida na 1ª instância administrativa cabe recurso no prazo de 10 (dez) dias ao Diretor Geral da PF[6]. Com a interposição do recurso, prévio a manifestação definitiva do Diretor Geral, pode o presidente da CCASP rever sua decisão. E com a decisão final do recurso conclui-se o duplo grau de jurisdição administrativa dentro do mesmo órgão público.

Não há menção na Portaria nº 3.233/2012-DG/DPF quanto ao dever de decidir e sobre a necessidade de motivação das decisões administrativas, contudo, há definição quanto a estes imperativos do exercício do serviço público na Lei nº 9.784 de 1999 (Lei de processos administrativos federais), a seguir reproduzidos:

Art. 48. A Administração tem o dever de explicitamente emitir decisão nos processos administrativos e sobre solicitações ou reclamações, em matéria de sua competência.

Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:

I – neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;

II – imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;

(…)

V – decidam recursos administrativos;

VI – decorram de reexame de ofício;

VII – deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais;

VIII – importem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato administrativo.

§ 1o A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato.

§ 2o Na solução de vários assuntos da mesma natureza, pode ser utilizado meio mecânico que reproduza os fundamentos das decisões, desde que não prejudique direito ou garantia dos interessados.

§ 3o A motivação das decisões de órgãos colegiados e comissões ou de decisões orais constará da respectiva ata ou de termo escrito”. (grifos nossos)

A legislação federal sobre o tema é clara quanto à necessidade de motivação das decisões em processos administrativos. As decisões, como todo e qualquer ato administrativo, são manifestações que carregam efeitos para o administrado, conforme descreve o mestre Celso Antônio Bandeira de Mello ao comentar as características do ato administrativo:

“trata-se de declaração jurídica, ou seja, de manifestação que produz efeitos de direito, como sejam: certificar, criar, extinguir, transferir, declarar ou de qualquer outro modo de modificar direitos e obrigações”[7].

Não apenas deve ser motivado o ato administrativo, como embasado com fundamentação jurídica. Ademais, conforme trazido pelo §1º do artigo 50 supra destacado, a motivação do ato deve ser explícita, clara e congruente, ou seja, cabe ao servidor responsável pela decisão no processo administrativo demonstrar a fundamentação jurídica utilizada para tomar determinada ação.

A ilustre jurista Maria Sylvia Zanella Di Pietro traz entendimento cirúrgico quanto ao conceito de motivação no ato administrativo:

“Motivação é a exposição dos motivos, ou seja, a demonstração, por escrito, de que os pressupostos de fato realmente existiram. Para punir, a Administração deve demonstrar a prática da infração. A motivação diz respeito ás formalidades do ato, vindo sob a forma de “considerada”;”

(…)

“Entendemos que a motivação é, em rega, necessária, seja para atos vinculados, seja para atos discricionários, pois constitui garantia de legalidade, que tanto diz respeito ao interessado como à própria Administração[8];”

Um dos motivos para existência do princípio da motivação no processo administrativo é para possibilitar aos administrados, quando partes de um processo, noção da linha de raciocínio utilizada pelo julgador em seu caso concreto. Tal entendimento encontra correspondência com a garantia constitucional da motivação das decisões do Poder Judiciário (Art. 93, IX da CF/88).

Sem a devida motivação do ato administrativo, seja na forma de decisão infundada ou rasa ou na forma do silêncio administrativo, o administrado fica ceifado do exercício de seu contraditório e da ampla defesa, princípios que lhe são assegurados na lei geral e na lei específica objetos do presente artigo. A falta de motivação adequada enseja na impossibilidade de exercício da defesa em sua integridade, em especial no tocante ao recurso administrativo.

As decisões nos ACIN’s por muitas vezes não preenchem os requisitos básicos para sua validade, pois não se atentam á necessidade de expor a motivação para a determinação contida no ato. Segundo ensinamento do já citado mestre Celso Antônio Bandeira de Mello:

“O ato administrativo é valido quando foi expedido em absoluta conformidade com as exigências do sistema normativo. Vale dizer, quando se encontra adequado aos requisitos estabelecidos pela ordem jurídica. Validade, por isto, é adequação do ato as exigências normativas”[9].

A motivação, conforme se extrai dos pensadores do Direito Público citados, não só é requisito de validade para o ato administrativo, e, portanto, para as decisões em processos administrativos, como constitui garantia de legalidade para a tramitação do processo, cobrindo-o de fundamentação jurídica apta a sustentar a decisão ali proferida.

Para o ente da Administração Pública a motivação de seus atos e, em especial, de suas decisões, quando seguidos os demais requisitos para a validade e perfeição do ato administrativo, tornam a possibilidade de responsabilização pelos efeitos jurídicos produzidos pelo ato quase nula, pois foi demonstrado o pensamento lógico-fático utilizado para se tomar determinada ação (ou deixar de toma-la).

Já para o administrado a motivação da decisão não só ilustra os fundamentos pelos quais sua conduta tornou-se objeto de processo administrativo como traz os argumentos jurídicos que poderão ser objeto de recurso para a 2ª instância administrativa, sejam estes argumentos fruto da concatenação lógica do responsável pela decisão, sejam eles embasados em pareceres, laudos, relatórios, etc, ou uma combinação de ambos.

No caso específico do mercado da segurança privada os grandes prejudicados pela falta de motivação das decisões em processos administrativos são as empresas inseridas no mercado. Há uma combinação de fatores que acabam por impedir o exercício do direito de defesa pelos administrados, quais sejam:

  1. Atividades extremamente reguladas e procedimentos muito burocráticos;
  2. Ausência de legislação clara e completa sobre o tema; e
  3. Falta de motivação das decisões administrativas.

Há de se concluir, analisando a tramitação dos ACIN’s atualmente, que a Administração Pública por vezes falha em produzir decisões fundamentadas, ensejando em uma perpetuação de jurisprudência administrativa incompleta e que em nada auxilia o crescimento e amadurecimento do mercado da segurança privada, muito menos providencia segurança jurídica para os entes do setor.

Como contraponto, há de se destacar que parte da falta de fundamentação adequada para as decisões nos processos administrativos da área de segurança privada deriva da estrutura hierárquica disfuncional criada pela Portaria nº 3.233/2012-DG/DPF, que criou diversos órgãos para regular e fiscalizar o setor, atribuindo as já comentadas características suis generis a Policia Federal.

Há também de se considerar a legislação incompleta que regulamenta o setor, que não providencia para o Administrador Público um arcabouço legal padronizado com a legislação processual administrativa e que tenha sido formulado pelo processo legislativo.


[1] Art. 78 do Código Tributário Nacional (Leinº 5.172, de 25 de outubro de 1966).

[2] §1º do Art. 1º da Portaria nº 3.233/2012-DG/DPF, DE 10 DE DEZEMBRO DE 2012.

[3]Substitutivo da Câmara dos Deputados n° 6, de 2016, ao Projeto de Lei do Senado nº 135, de 2010 (https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/127734)

[4] Incisos I, II e III do Art. 3º da Portaria nº 3.233/2012-DG/DPF, DE 10 DE DEZEMBRO DE 2012.

[5] Art. 185 e 186 da Portaria nº 3.233/2012-DG/DPF, DE 10 DE DEZEMBRO DE 2012.

[6] Art. 190 da Portaria nº 3.233/2012-DG/DPF, DE 10 DE DEZEMBRO DE 2012.

[7] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo–Malheiros Ed, 29ª edição, pg. 389.

[8] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo – Ed. Atlas, 23ª edição, pgs. 210-211.

[9] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo – Malheiros Ed, 29ª edição, pg. 391.

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